sábado, 15 de janeiro de 2011

QUANDO O AMOR ACABA

Amigos internautas se têm uma demanda recorrente em meu consultório; com certeza o assunto amor figura entre o que mais aflige as pessoas. Não é comum ninguém chegar se aconchegar num divã para tratar da promoção no serviço que não ocorreu; ou para tratar do carro novo que foi adiado. Agora quando o assunto refere-se ao amor; o relacionamento afetivo é enorme o número de pessoas que perdem noites de sono. E isso fica mais evidente quando a relação está por um fio. No momento que a relação está mergulhada numa crise parece que o sujeito está sozinho; amiúde os amigos ou casais que saiam juntos começarem a se afastar ou até mesmo evitarem o casal em crise. O casal que está em desarmonia parece de certa forma apontar de modo inconsciente para os outros casais a fragilidade desse empreendimento afetivo que é a vida a dois. Quem sabe essa evitação não é uma forma primitiva e atávica; um mecanismo de defesa; dos casais próximos recolherem-se em seu mundo “harmônico” para não se depararem com questões que podem mexer e incomodar a sua própria relação. As pessoas que presenciam a separação de um casal ficam meio atônitas diante da notícia; o relacionamento de longa data parece que nos impede de visualizar as individualidades separadas. Faça você mesmo um exercício; imagine aquele casal que você é amigo e tente imaginá-los separados; no mínimo você sentirá desconfortável com tal exercício. Agora imagina uma pessoa que é o protagonista dessa relação falida e que nunca pensou em viver sem seu companheiro. Outro sábado a noite estava eu ali em mais uma cerimônia religiosa; não vou falar que era um penetra; mas também não era convidado direto; pois era o conhecido de um amigo do casal; ou seja, um penetra tolerado. A ocasião era um casamento numa igreja evangélica. Apesar de não conhecer o casal de noivos; o tom eloqüente do pastor no púlpito prendeu minha atenção minimamente para que prestasse atenção na pregação e no sermão da noite. O sacerdote usou na ocasião uma metáfora para definir o matrimônio; comparou o casamento a uma escalada a uma montanha; dizendo que os primeiros passos acontecem longe das câmeras fotográficas; Buffet; viagens ou presentes. Mesmo sem
o pastor ter dito isso, pensei: É verdade subir um barranco sozinho é difícil; imagina uma montanha a dois!O pastor da noite tinha minha anuência no assunto; logo cada um tem um ritmo; cada um precisa de um tempo para descansar. O outro pode se machucar; precisar ser amparado. Por um instante meu raciocínio divergiu um pouco e me perguntei: E se tudo der certo nessa jornada a dois o que farão lá em cima da montanha?Seria algo entediante? Parar de subir seria a morte do casal? O que fazer quando chegar ao pico da montanha; resolver descer por outro caminho? Desisti de me inquirir e não obter resposta alguma. Até porque não cheguei ao cume de nada; e acredito que nem mesmo aquele pastor saberia dizer o que nos aguarda no topo da montanha. Nesse instante comecei a duvidar se o pastor tinha sido feliz no exemplo. E mesmo em meio a tantas dúvidas me lembro perfeitamente que gostei da cerimônia e logo após houve uma festa com direito a todos os excessos de bebidas; comidas e juras de amor eterno dos noivos perante os convidados. Como já confidenciei a vocês que era um penetra melhorado nesse evento fui informado por alguém que a união daquele jovem casal já tinha chegado ao fim. Não sei se por causa da montanha ou por outro motivo qualquer; mas a verdade é que mais um casamento tinha decretado falência. A incógnita que fica é que aquele momento realmente era verdadeiro; acredito que tudo foi sincero entre os noivos; as juras de amor eterno; com brindes de champanhe numa festa linda que eu mesmo tive a oportunidade de ser testemunha; imagino que havia sonhos em comum; troca apaixonada de bilhetes de amor; não sei se vocês concordam; mas sou da opinião de que os amantes escrevem para tentar imortalizarem e fazerem durar aquele estado diferenciado de plenitude; talvez num afã premonitório de saberem que logo a felicidade pode despedir sem muitas delongas. E a pergunta que fica é Por quê? Na verdade ninguém muda; são os nossos olhos que enxergam conforme o momento existencial; os casais que me procuram em crise são os mesmo que juravam ser diferentes e estarem imunes a qualquer conflito e desentendimento. Acontece que suas prioridades sofreram severas metamorfoses. Explico melhor. O homem casa com a mulher numa expectativa de que a sua mulher será sua namorada para sempre; acredita o homem que a mulher dele será diferente das demais e, portanto seu casamento dará certo. Ele
não tem a menor dúvida que com ela será diferente; ninguém consegue dissuadi-lo do contrário. O homem acredita que sua esposa de amanhã será a namorada de hoje; muito sexo, aventura e cumplicidade e apoio incondicionais. Tão logo termina a lua de mel o homem desconhece a mulher com que se casou. Essa começa a reclamar da toalha em cima da cama; do banheiro sujo; do papel higiênico fora do lugar; como se papel higiênico devesse ter lugar; da pia lotada de talheres e copos da noite anterior. O homem desconhece aquela mulher e se não bastasse não encontra mais a disposição e apetite sexual de sua esposa para noites de amor. A esposa agora não se aventura em transas em locais pouco convencionais; perde o hábito de freqüentar lojas de lingerie. E a noite não tem mais a cumplicidade do luar; o marido parece que é um médico plantonista do SUS que acaba sabendo que toda noite a mulher apresenta um sintoma diverso: enxaquecas; cólicas; sono. A mulher na contramão do homem casa com o homem acreditando que ele vai mudar depois do casamento e para seu espanto descobre que ele continua indo ao futebol no fim de semana e bebendo com os amigos até tarde; o mesmo continua desorganizado e muita vez esquece datas que para ela sempre foram importantes; ele também não se lembra da música do casal e de outros tantos detalhes importantes para ela. Algumas mulheres exigem e se aborrecem pelo marido não notar o brinco novo; o batom diferente; ou que é mais interessante o lençol novo dobrado de maneira diferente ou a fronha perfumada do travesseiro. A mulher é muito mais esperançosa de que depois do casamento as coisas mudarão. Estou aqui para afirmar que não muda tanto como ela gostaria. É bem verdade que existem casais que conseguem contornar os problemas próprios dos casamentos; mas esses são pessoas bem resolvidas e mais maduras que dispõe de mecanismos para sobreviver à rotina enfadonha do dia a dia. Como estou aqui para falar dos relacionamentos que sucumbem; voltemos às vicissitudes do casal em crise. Sabe aqueles cartões e bilhetes de amor que você já deve ter recebido; no casamento os cônjuges reclamam comigo que se tornam escassos; os cartões que agora aparecem por todo canto da casa são os de crédito; aquelas idas ao motel agora ficam para depois; afinal tem uma justificativa muito oportuna que é para economizar para a troca do carro; ou a escola dos filhos. Os beijos apaixonados não mais fazem parte da
relação sexual; as caricias e os preliminares são sabotadas e o casal pega o atalho da pressa e da comodidade; a aventura não mais acontece afinal à cama muitas vezes limita a aventura; a surpresa e emoção. O colchão e as paredes do quarto passam a serem testemunhas oculares de um romance de fachada e que sobrevive da covardia de ambos. Nesses sinais que estou enumerando é muito comum os casais relatarem que não sentem mais o cheiro do marido ou da esposa; cuidado se você não tem cheiro; a ausência de perfumes de modo geral traz a fragrância da indiferença e da falência do relacionamento. Então antes de qualquer relacionamento acabar deve-se notar os sinais; nesse jogo de frustração um quer tolher o outro; você não vai fazer isso; porque não quero. Agora você é casado sou seu dono! Quando se permite o aniquilamento individual; quando se violenta suas preferências e sonhos não tarda e azedume e amargura nos acompanham por todos os cantos. O outro cede, mas como punição solicita e exige do outro o mesmo pagamento com todos os juros possíveis; nessa lógica de exigência mútua o que fica em evidência é o jogo do poder. Na ilusão de que o outro é sua propriedade você acaba fazendo exigências descabidas isso tudo para aplacar a insegurança pessoal. Nessa troca mútua de privações; a liberdade é estrangulada pela obrigação e a monotonia dá uma segurança entediante que também vai asfixiando a relação e não demora muito sonhos vão morrendo e o diálogo e o desejo de saber da vida do outro desaparece. A cumplicidade cede lugar ao egoísmo desmedido. O encontro agora não ocorre mais diante do altar e o sacerdote diante que prega palavras edificantes; os personagens agora são os juízes; os advogados e os fóruns que tentam mediar o conflito que não existia. Quando o amor acaba não resta muito a fazer apenas lamentar; mas podemos também aprender que estar com alguém requer paciência; diálogo; vontade; doação e eterna conquista. Estar com alguém é uma arte que requer primeiro estar bem consigo mesmo; quando fazemos do outro nossa muleta existencial jogando sobre o parceiro expectativas que ele não pode cumprir estamos a um passo de sabotar o amor. Quando relacionamentos nascem para fugir de problemas ou outros relacionamentos tormentosos a expectativa de sucesso é diminuída. Quando o amor acaba na verdade somos atingidos de raspão em nossos medos alojados nos lugares mais recônditos de nosso ser; o
temor e a ansiedade de que também estamos sujeitos a fracassar na eterna busca do amor. Então quando fico sabendo que o amor de um casal acabou; volto-me para mim mesmo e sinto como somos impotentes e frágeis na arte de amar. E o quanto temos que aprender.

MARCOS BERSAM
PSICÓLOGO CLÍNICO

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