terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O SALGADO DA FELICIDADE


Confesso a minha meia dúzia de leitores que o maior obstáculo de escrever artigos de psicologia para mim é ter um tema que permita passar de longe de algo enfadonho. E por isso estou sempre atento a algo que mereça ser contado ou escrito nesse espaço; só que essas observações não respeitam o calendário. Quanto menos espero estou a observar e a pensar: isso daria um artigo interessante! Foi envolto nesse clima que me vi capturado por um episódio interessante em minhas férias e aí decidi quando voltar para casa escrevo sobre o acontecido. Para quem acha que Psicólogo é um sujeito imune a erros; fica aqui meu protesto veemente. E às vezes os erros teimam em ser maiores que os acertos; não sei por que naquele mês de férias parece que tinha começado a gastar compulsivamente minha cota de equívocos. E acredito que o primeiro deles foi quando escolhi o destino; reservando-me o direito de ser politicamente correto acho mais elegante não revelar em que cidade de veraneio estava. Afinal o lugar não mudará o que acredito ser mais importante nesse artigo que é o personagem que conheci. Quando estava acreditando que minhas férias já deveriam estar sendo curtidas; vi-me atônito diante da falta de água recorrente nos verões daquela cidade; falta de cerveja e quando encontrávamos o preço estava inflacionado. Isso sem contar com aquele ritual de arrumar antena da TV; não sei por que sempre cabe a mim a tarefa de ajustar os canais que teimam em não responder de acordo. E vocês sabem como é o apelo insistente das mulheres querendo acompanhar a novela global. E para complicar a previsão do tempo era péssima para o período programado de minhas férias; lembro que na época prometi a mim mesmo que a próxima viagem seria para um pais europeu ou andino. Mas contrariando todas as expectativas quando o desanimo já tentava me dominar acordei com um gostoso incomodo de raios solares que adentravam o quarto atravessando a espessa cortina que emoldurava a janela. Não tive dúvidas peguei meu kit de praia e fui tentar curtir um pouco aquele momento único. E não precisa ser muito esperto para imaginar o furdúncio que estava na areia; todos estavam lá; crianças jogando bola; uma guerra de gêneros musicais que gerava um barulho e ruído insuportável. Vi que não seria possível nem ler meu jornal. Desisto; pensei comigo. Nesse ínterim fui abordado por um senhor de jaleco branco; pele negra de aproximadamente uns 60 anos e com um sorriso apaixonante que poderia ser usado perfeitamente numa propaganda de creme dental. Ele garantia a todos que ele vendia o melhor salgado daquele litoral; intitulado por ele como o SALGADO DA FELICIDADE. E sua camiseta branca não deixava nenhuma dúvida; com letras geométricas feitas com esmero na cor vermelha. Num primeiro momento não soube precisar o que me chamará a atenção naquele ambulante e isso fez com que dirigisse o foco de minha percepção para o comportamento dele. Ele afirmava a todos que estaria a disposição de quem quisesse experimentar o seu salgado; que estava caprichosamente acondicionado numa estufa improvisada. A primeira coisa que me chamou a atenção foi que ele diferentemente dos demais ambulantes não ficava andando de um lado para o outro da praia; parecia que sua sabedoria lhe indicava o melhor ponto da praia. E sempre desconfiei de quem anda de um lado para o outro nunca chega a lugar algum. Era como se ele soubesse que mais cedo ou mais tarde seriamos traídos pelo desejo de provar sua alardeada iguaria. Comecei a perceber que a pessoa pedia o salgado e vinha de brinde sem esforço algum um sorriso. De um jeito único de atender; comecei a entender que as pessoas estavam na verdade alimentando muito mais a alma do que o corpo. De alguma forma esse senhor magnetizava as pessoas com sua gentileza; cortesia e simpatia. Enquanto observava o vendedor de salgados não tinha notado que havia comprado quase inconscientemente quase uma dezena de salgado para mim e meus amigos. Eu que já tinha comido o salgado da vovó, da titia; mas foi a primeira vez que tinha experimentado o salgado do senhor felicidade. O nome de seu salgado na verdade era o seu codinome; ou sua digital; não poderia ter um predicado melhor escolhido do que esse. Na contramão desse vendedor ambulante que prosperava ali naquele cantinho da praia passavam ambulantes vendendo de tudo um pouco; mas nenhum deles era apaixonante como esse senhor. Uns pegavam latinhas na areia; outros com uma sisudez medonha; outros cabisbaixos; outros pareciam não estar vendendo nada apenas tentavam matar o tempo de alguma forma; outros tantos pareciam que eram carregados pelo seu isopor. Na verdade o segredo daquele senhor não era o recheio; mas os sonhos que ele vendia. Entendi que as pessoas que compravam o salgado de certa forma queriam comprar o segredo de tamanha alegria. Aquele senhor estava fazendo o que muitos deixaram de fazer em suas profissões. Contagiar o outro de modo que o fazer ganhe contornos mágicos; ora encantando ou curando. Quando você se entusiasma com o seu fazer você acende os lampiões que outrora andaram apagados nas profundezas do coração amargurado. No último dia de praia estava cumprindo o ritual de todo bom mineiro; o último mergulho; o abraço no mar; a última cerveja e me deu vontade também do degustar o salgado da felicidade. Naquele dia senti como fez falta aquele Senhor Vendendo os salgados da felicidade; constatei o que muitos já ouviram e disseram; pessoas com gestos tão pequenos podem se tornar marcantes e inesquecíveis. Enfim independente de sua profissão; de seu sonho; de seu projeto; de seu amor lembre-se que é na despedida que sabemos aquilo que valeu a pena. E a certeza de que quando você encanta o outro você está condenado a existir eternamente na lembrança dos que um dia te viram viver.
MARCOS BERSAM
PSICÓLOGO CLÍNICO.

Um comentário:

  1. Gostei demais deste artigo, muito bom mesmo!
    É engraçado imaginar o nosso psicólogo numa situação tão comum: arrumando a antena da tv, tomando cerveja e comendo o salgado da felicidade... até parece que ele é como um de nós, simples mortais! (risos)
    Um forte abraço, Doutor!

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